Bem vindos a essa nova realidade onde a sociedade vive sua vida, sem saber que no submundo, no inferno, quatro seres citados nos livros sagrados, brincam e se divertem com as tragédias, dores e sofrimentos que causam a humanidade.
De tempos em tempos, durante os milhares de anos de existência da humanidade, eles se reuniam. As quatro entidades vindas dos mais longÃnquos confins do que a maioria da humanidade aprendeu a conhecer como “o inferno”, vinham ao centro do mesmo, de onde assistiam toda a ascensão da raça humana, as vitórias na ciência, as descobertas da tecnologia, o desenvolvimento socioeconômico e tantas outras vitórias que os humanos alcançavam. Porém, também assistiam à degradação, as guerras em nome de deuses, a violência, o abuso de poder e tudo mais que os humanos conseguiam infringir a eles mesmos. Para os Quatro Cavaleiros, era chegada a hora do apocalipse cair sobre a humanidade, a hora em que a humanidade deixaria de existir por conta de seus erros.
A cada encontro, cada cavaleiro a seu modo e de forma individual, trazia males ao mundo humano visando destruÃ-lo. Mas seus poderes nunca alcançavam o mundo de forma efetiva, e a humanidade sempre se levantava. Guerra, gerava conflitos entre paÃses, e embora tivesse talento para influenciar grandes lÃderes de forma eficaz, seus feitos nunca atingiam o mundo de forma global, pois havia sempre aqueles que achavam outro caminho para suas diferenças. Já Fome, essa por sua vez, só conseguia atingir pequenos nichos da humanidade, e, embora já tivesse deixado de tentar destruÃ-la a muito tempo, se divertia com o pouco que seu poder conseguia concentrando seus ataques em lugares de pouco desenvolvimento. O Peste, por mais que conseguisse devastar multidões com suas doenças, sempre era derrotado pelos humanos que encontravam um meio de sobreviver. Para cada intervenção desse Cavaleiro, vacinas eram criadas, remédios desenvolvidos e tratamentos melhorados. Por último, mas não menos importante, Morte, que o máximo que conseguia, era controlar as almas de todos os mortos que eram gerados pelos ataques dos outros três.
Dessa vez, na presente reunião, Guerra havia decidido que as coisas seriam diferentes, e aqui no meio de um ambiente escuro, com rochas frias, embora em sua maioria estivessem em chamas, e um céu negro cujo relampágos que o cortavam atingiam esse mesmo solo por diversas vezes, ele traria a solução para todos os Cavaleiros alcançarem seus objetivos.
Guerra, tinha uma aparência jovial, trajando uma armadura na cor prata, que apesar de todo ambiente em que o mesmo estava, brilhava chegando a incomodar, de tão reluzente. Fome já tinha uma aparência decadente, um corpo gordo e dentes sujos com resÃduos de coisas que ele acabara de comer, este sempre se encontrava sentado a uma mesa com uma diversa quantidade de alimentos, dos quais seu preferido eram as coxas de cervo, alimento esse que ele sempre trazia na mão, mastigando de tempos em tempos. Peste vestia trapos por onde vermes caminhavam incessantemente, e já não possuÃa mais um rosto, era apenas uma caveira, com o pouco de pele putrefata que lhe restara pendurada por diversas partes, e Morte, essa nem rosto possuÃa. Sua aparência se resumia a uma túnica negra, e no lugar de onde deveria haver um rosto, apenas a imensidão negra do desconhecido, do vazio.
Tais caracterÃsticas sempre faziam com que os cavaleiros do apocalipse, em suas investidas a humanidade, sempre agissem sozinhos, e suas reuniões de tempos em tempos, quase nunca resultavam em uma conversa que valesse a pena para qualquer um dos quatro, mas conforme fora descrito anteriormente, Guerra tinha outros planos dessa vez.
— Amigos. É chegada a hora da humanidade encontrar seu fim — Diz o cavaleiro de armadura.
— Talvez você não tenha notado Cavaleiro — Responde a Fome, por trás de sua mesa com um pedaço de cervo entre os dentes — Mas não importa o que façamos, a humanidade sempre prospera. Isso já está ficando deveras cansativo.
Peste então se pronúncia — Dessa vez eu pretendo criar uma doença que vai erradicar a raça humana de uma vez. E finalmente poderemos alcançar o apocalipse que fomos destinados a infringir.
Morte, por sua vez, era a única que se mantinha calada. Mas não deixava de fitar cada um de seus companheiros.
Guerra continua — Não temos forças suficientes para trazer o apocalipse ao mundo dos vivos, mas desde nossa última reunião, estive pensando e acho que podemos nos auxiliar de forma que todos nós tenhamos êxito.
Morte, depois de várias reuniões e nenhuma palavra proferida, resolve falar, tamanha era sua incredulidade nas palavras de Guerra. — Eu passei centenas de anos apenas recolhendo as migalhas deixadas pelos planos de vocês. Nenhum de vocês nunca pensou em abrir espaço para que eu agisse, e agora, você tem a coragem de vir aqui e nos sugerir união?
Gerra rebate — Uma união que beneficiará a todos meu amigo. Pense comigo — sugeriu o cavaleiro reluzente — Doenças foram erradicadas, famintos alimentados, e por mais que joguemos qualquer praga na humanidade, ela se recupera. Já são milhares de anos que agimos e nada do que fazemos a atinge de forma a extingui-la. Isso porque precisamos de mais, mais do que peste negra, aids ou corona, mais do guerras e conflitos, mais do que a fome na áfrica. Precisamos de muito mais que isso.
Peste concluà — E só alcançaremos isso se agirmos juntos?
Guerra sorri. Finalmente um de seus companheiros havia entendido a estratégia. Fome continuava mastigando seu pedaço de cervo, que a essa altura, já estava apenas em ossos.
— Eu aceito! — Responde se importando mais com a diversidade de comida sobre a mesa, do que com o plano.
Faltava apenas a Morte, e essa ainda em dúvida silencia-se por alguns segundos, até que responde com uma afirmação complementando a ideia — A divisão da glória da destruição da humanidade será dividida entre todos, de igual para igual!
E então Guerra, com um sorriso, dá a cartada final arrematando o último cavaleiro — Eu não gostaria que fosse diferente meu amigo, afinal, somos nós quatro os Cavaleiros do Apocalipse.
— Então, que assim seja — sentencia a morte.
Os quatro caminham para o centro do local onde estavam e quando formam um cÃrculo estando a um metro de distância uns dos outros, entre eles surge o que parecia ser um tabuleiro de xadrez, flutuando no ar com algumas peças em posição. Cada cavaleiro teria direito a uma jogada, e cada jogada traria um mal para humanidade. E Morte é quem empurra sua primeira peça.
No mundo humano, um estranho fenômeno acontece em larga escala. As pessoas não ficavam mortas. Todas as pessoas que morriam a partir do movimento da peça da Morte, começaram a voltar a vida, porém embora vivas, já não sentiam nada, não sentiam necessidades básicas como dormir ou se alimentar, e ao assistir aquelas cenas, os quatro cavaleiros se divertiram muito com as situações que aquele evento começou a gerar. As famÃlias que tinham que reaprender a conviver com seus entes queridos que voltavam a vida, uma mãe que viu seu bebê acordar e chorar depois de mais de um dia de morte declarada. E claro, como a humanidade nunca conseguiu lidar com o que não entendia, com o diferente, as diversas cenas de agressão e violência contra os que chamavam de aberração, se espalhou pelo mundo. Os chamados “mortos”, eram agredidos em escolas, proibidos de entrar em estabelecimentos e passavam por diversos outros problemas. Para erradicar a violência contra esse grupo de pessoas, Campanhas foram feitas na TV e redes sociais - Os mortos estão vivos assim como nós -. Atores famosos que, mesmo discordando da campanha, ganhavam dinheiro para veicula-la, enquanto cientistas renomados ganhavam visibilidade e fortunas intitulando-se especialistas no assunto sem ter nada de concreto a mostrar. PolÃticos lutavam pelos mortos em suas campanhas em busca de seus votos. Nesse contexto, os quatro cavaleiros assistiram e se divertiram por meses, por conta de uma jogada. A violência, o preconceito, a ambição e tudo mais que a volta dos mortos podia proporcionar, os fizeram se deleitar enquanto a humanidade buscava uma normalidade em meio a esse cotidiano imposto.
Fome faz sua jogada.
Num mundo onde uma boa parte das pessoas aprenderam a conviver com aqueles que voltavam do além, apesar da estranha situação ter se tornado algo “normal”, aquilo estaria para mudar. De repente, de um dia para o outro, os mortos começaram a sentir uma fome descomunal. Em um primeiro momento todos comemoraram que seus filhos, pais, e entes queridos voltavam a se alimentar, porém, a fome não cessava de forma alguma. Não demorou muito para os mortos começarem a sentir o cheiro e a desejar a carne humana. E logo, todos os mortos passaram a ser considerados perigosos. Eles atacavam os vivos arrancando-lhes partes massivas de suas peles, bebendo seu sangue, mastigando seus membros. O caos tinha se instaurado no mundo todo. As pessoas tentavam a todo custo sobreviver fugindo dos mortos que as atacavam sem trégua. Aos que sobreviviam, o hospital era parada obrigatória. Muitos precisavam de cirurgia de enxerto de pele para reparar o mal causado pelos mortos que as atacaram. Logo os mortos passaram a ser confinados em jaulas e cômodos em espaços dentro da propriedade de suas famÃlias, e passavam a ser, pelo governo local, responsabilidade dos mesmos. Os “mortos de rua” como eram chamados, eram capturados e levados a um confinamento público. Uma verdadeira estratégia de vários paÃses acabou por conter os ataques da maior parte dos mortos descontrolados e famintos, e nos anos que se seguiram, aqueles atacados tentavam seguir com suas vidas. Muitos inclusive ganharam dinheiro contando sua história. Programas de TV foram criados sobre esses ataques. Toda semana em algum programa de fofoca tinha um artista decadente que para voltar aos holofotes da fama, alegava ter sido atacado por um morto e fora essas situações absurdas muitas outras se desenrolaram de forma que só o ser humano seria capaz de inventar. Pasme, um homem entrou para o livro dos records como o homem que teve mais partes do corpo mastigadas por um morto faminto.
E no submundo, além dos planos dos quatro cavaleiros estarem indo de vento em popa, a diversão até aqui estava garantida. Era hora de algo mais incisivo. E Peste é chamado a jogar. No momento em que o cavaleiro faz sua jogada, o mundo dos vivos começa sua queda.
Todos aqueles mordidos a anos, que levavam sua vida normalmente, em escolas, trabalho, em casa, nas ruas, em festas, não importava onde estivesse, começaram a sentir uma dor absurda jogando-se ao chão. Os músculos começam a se contrair de forma violenta tamanho era o descontrole de seus próprios corpos. Os olhos se reviravam e os gritos de dor passavam de gritos a grunhidos em segundos. A quem estivesse perto era possÃvel ouvir inclusive seus ossos estalarem ou dependendo da posição, se partirem. E após todo esse sofrimento, as pessoas finalmente morriam, o que deixava em choque muitas outras, já que morte propriamente dita, já não fazia parte do cotidiano da humanidade a anos.
E desobedecendo qualquer regra fÃsica, cientÃfica ou religiosa, os que morreram em agonia, voltaram à vida, e atacaram aqueles perto deles. Com violência, rapidez e muita carnificina, os mortos passaram a contaminar todos aqueles que mordiam, e todos esses por sua vez, após uma dolorosa morte, voltavam à vida e atacavam outros. E como imaginado de uma humanidade que demorou quase dois anos para entender um vÃrus que dizimou milhares em 2020 e 2021, os Mortos Vivos assim chamados se alastraram muito rapidamente por sobre o solo do planeta. Governos inteiros caÃram, exércitos foram vencidos, tamanha a capacidade de contaminação de uma mordida. O caos estava instaurado e durante anos o mundo foi se tornando um lugar perigoso para os vivos, um prato ambulante de carne fresca para os mortos. A humanidade regrediu tecnologicamente e agora, os seres humanos sobreviviam em pequenos grupos espalhados pelo planeta, em ambientes fechados protegendo-se dos mortos vivos. Pequenas cidades cercadas, subterrâneos e qualquer lugar que pudesse servir de abrigo para uma sobrevivência, eram lugares habitados pelos vivos, embora nesse contexto a expectativa de vida tivesse decaÃdo muito por conta não só dos ataques, mas da falta de suprimentos, doenças e toda a consequência que essa nova realidade trazia.
Os quatro cavaleiros estavam em êxtase absoluto. Se deliciaram a cada segundo com as jogadas feitas até o momento. Finalmente chegou a hora da cartada final, ou melhor, da jogada final, e é Guerra quem a faz…
— Pronto. Agora é só esperar a humanidade terminar de se destruir…
Com o movimento de Guerra, os humanos vivos, os poucos que restaram passaram a guerrear entre si por suprimentos e poder. E na guerra, valia tudo. Crianças eram mortas, maridos escravizados pelos mais fortes, mulheres eram estupradas e submetidas a torturas insanas pelos mais insanos que no momento possuÃam o controle da situação. Outros traiam seus familiares arrancando-lhes a vida por uma lata de milho ou um pedaço de pão mofado. Não havia ser humano no mundo que conseguia conviver em harmonia com outro, sem que ambos se prejudicassem. E sempre havia aqueles dispostos a seguir quem quer que lhes prometesse segurança e alimentos, e por esses, cometendo mais atrocidades, até que esses comandantes fossem traÃdos e mortos por algum “aspirante ao trono” digamos assim. Cidades estruturadas e seguras se desfizeram por conta da ganância e da ambição e os poucos vivos que ainda existiam, agora caminhavam sobre a terra lutando contra os Mortos Vivos, contra outros humanos, fora o frio, a chuva ou o calor e a fome.
Os quatro cavaleiros entenderam que juntos, seriam mais efetivos para trazer o apocalipse a Terra, e assim o fizeram. Guerra estava satisfeito. Tudo que precisavam fazer era esperar, pois duvidavam que assim como das outras vezes, a humanidade fosse se reerguer.
Os cavaleiros se retiram do local indo cada um para um lado. O tabuleiro de xadrez que flutuava entre eles se desfaz. E com isso, os Mortos Vivos andam sobre a terra até que a humanidade se reerga, ou até que os Quatro Cavaleiros se encontrem novamente.
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